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18 de Abril de 2024
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    ARTIGO: Defensor João Paulo fala sobre a inconstitucionalidade da vedação contida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06

    há 15 anos

    Da inconstitucionalidade da vedação contida no art. 33 , § 4º , da Lei nº 11.343 /06

    O art. 33 , § 4º , da Lei nº 11.343 /06 veda a conversão da pena de segregação em restritiva de direitos, contida no art. 44 do Código Penal , aos acusados de praticar um dos núcleos do tipo objetivo do art. 33 , caput, da Lei nº 11.343 /06.

    Os verbos do caput do citado art. 33 traduzem, em tese, o tipo legal de tráfico de entorpecentes. Entretanto, as diversas ações prescritas no mencionado dispositivo legal, no caso 18, possuem grau de reprovabilidade diferentes, não sendo, portanto, iguais.

    Dessa feita, não se pode igualar a reprovabilidade, por exemplo, de quem exporta ou importa entorpecente com aquele que “traz consigo” ou mesmo “tem em sua guarda” a mesma substância, principalmente quando não se tem a certeza, pelos elementos contidos no inquérito policial e na denúncia, de que este “trazer consigo” ou “ter em sua guarda” são ações que visaram o consumo próprio da substância pretensamente entorpecente pelo agente ou se este visou comerciá-la.

    Indo no caminho desta suposta igualdade, o aplicador da norma estará tratando claramente os desiguais de forma igual, o que segue ao arrepio da igualdade substanciada, portanto, dos princípios constitucionais da isonomia e da individualização da pena e, em última instância, do princípio supraconstitucional da razoabilidade. Assim, o aplicador da norma incide em flagrante inconstitucionalidade, violando, pois, diretamente o art. 5º, I, XLVI, da Magna Carta.

    Pensar de forma diversa seria, mutatis mutandis, ressuscitar a mesma idéia pretérita prescrita na redação antiga do art. , § 1º , da Lei nº 8.072 /90, que determinava que todos os crimes hediondos seguissem o regime prisional integralmente fechado de cumprimento de pena, o que já era rechaçado, à época, pela doutrina majoritária e por parte da jurisprudência por ser determinada ideia inconstitucional por violar diretamente os referidos princípios constitucionais.

    O Supremo Tribunal Federal, atendendo aos reclames da doutrina majoritária e da jurisprudência (na época minoritária), mudou seu entendimento e declarou a inconstitucionalidade do art. , § 1º , da Lei nº 8.072 /90 por ferir incisivamente os princípios constitucionais da isonomia e da individualização da pena no julgamento do HC nº 82.959/SP .

    Sobre esse instante histórico marcante da jurisprudência do Pretório Excelso que iluminou, pondo uma pá de cal sobre o assunto, esta zona tormentosa que se deparavam os operadores do Direito, vale transcrever trecho da obra de Alexandre de Moraes:

    “Importante destacar, contudo, que, em novo julgamento, a composição atual do Supremo Tribunal Federal, por seis votos a cinco, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. da Lei nº 8.072 /90 (Lei dos Crimes Hediondos), que veda a progressão de regime para os condenados por crimes hediondos e assemelhados. A favor do novo posicionamento, votaram os Ministros Março Aurélio, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence; enquanto os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim mantiveram o anterior posicionamento da Corte, no sentido da constitucionalidade do referido preceito (STF �"Pleno �"HC nº 82.959/SP �"Rel. Min. Março Aurélio, Decisao 23.02.06). Esse novo posicionamento tem aplicação imediata, aplicando-se, inclusive, aos processos em andamento, por ser lei penal mais benéfica.” (MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.75)

    Dessa feita, observa-se que a parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343 /06 que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, contida no art. 44 do CP , de forma indistinta é inconstitucional por contrariar diretamente os mandamentos principiológicos constitucionais da isonomia, individualização da pena e da razoabilidade.

    Isso porque se poderá chegar à inacreditável situação de igualar, tanto processualmente como também no momento de eventual condenação, um perigoso traficante internacional de drogas, que a todo instante importa e exporta substâncias entorpecentes com a finalidade de lucro, com um simples indivíduo que “trazia consigo” ou mesmo “mantinha em sua guarda” pequena quantidade de substância entorpecente para uma suposta mercancia de pequenas proporções de lucro.

    A doutrina já traz luzes a esta questão, senão veja-se:

    “A simples leitura do parágrafo pode induzir o intérprete a imaginar que o benefício está na órbita discricionária do juiz. Contudo, parece-nos que, preenchidos os requisitos, o magistrado não só pode, como deve reduzir a pena, ficando a sua discricionariedade (motivada) limitada à fração minorante (esta orientada pela quantidade e/ou espécie da droga apreendida).” (GOMES, Luiz Flávio et al. Lei de Drogas Comentada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 197) (grifou-se)

    Assim, não resta dúvida que o magistrado pode afastar a vedação do art. 33 , § 4º , da Lei nº 11.343 /06, que trata indistintamente todos os acusados da prática de quaisquer dos núcleos do art. 33 , caput, da Lei nº 11.343 /06, por ser ela inconstitucional por ferir incisivamente os princípios constitucionais da isonomia, da individualização da pena e da razoabilidade, declarando o referido § 4º inconstitucional incidenter tantum e aplicando a conversão de sanções do art. 44 do Código Penal , caso o acusado preencha os requisitos legais para tanto.

    O órgão julgador poderá, inclusive, utilizar os mesmos fundamentos do STF no julgamento do HC nº 82.959/SP , haja vista que a ideia para o afastamento da vedação referida é semelhante ao do julgado citado, fazendo uso da analogia iuris.

    Procedendo dessa forma, o magistrado então pode aplicar, repita-se, a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, preenchendo o denunciado os requisitos do art. 44 do CP .

    Assim, caso o processado preencha os pressupostos legais do art. 44 do Código Penal , merece que seja aplicada a conversão da sanção de segregação em restritiva de direitos que está descrita no mencionado dispositivo legal.

    BIBLIOGRAFIA:

    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

    FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. 1. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2000.

    GOMES, Luiz Flávio. MOLINA, Antônio García �"Pablos de. Direito Penal �"Parte Geral. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

    GOMES, Luiz Flávio et al. Lei de Drogas Comentada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

    GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Nova Lei Antidrogas Comentada �" Crimes e Regime Processual Penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007.

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

    MORAES, Alexandre de. SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

    NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

    SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

    JOÃO PAULO OLIVEIRA DIAS DE CARVALHO é Defensor Público do Estado do Pará e ex-Procurador do Banco do Nordeste do Brasil S/A, tendo sido lotado em Brasília-DF e atuado junto aos Tribunais Superiores, ao Tribunal de Contas da União, ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

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